A sombra e a luz, são vultos....

Pagina de apresentação dos trabalhos do iluminador Leandro Gass. Comecei minha carreia como iluminador de espetáculos, em 1998 no teatro Cia de Arte. Eu era da recepção do teatro, mas logo comecei a me interessar pela parte técnica. Com a ajuda do iluminador Aniltom Souza, técnico da casa, pessoa que abriu as portas para mim. Desde então sigo trilhando o meu caminho nesta arte.

sábado, 7 de novembro de 2009

Vestida do Avesso
Isabel Bonorino

Foi com o olhar de educador que Pedro Delgado criou Berna, personagem de Vestida do Avesso. O monólogo é mais um trabalho do diretor relacionado às questões do gênero e repleto de significados e reflexões sobre temas relacionados.

Ela já está em cena quando o público entra. A iluminação difusa dá o clima que mescla mistério e curiosidade ao monólogo que está por vir. Berna Herculine é uma professora sexagenária, acostumada a lidar com crianças de todos os tipos na escola particular onde leciona. Mas ela está cansada da vida que leva e pretende dar um fim nesse calvário após a reunião com os pais dos alunos. Até conseguiu algumas realizações, mas ainda era pouco. “Ela se encheu e não quer mais compactuar com o sistema”, conta o diretor Pedro Delgado .

A professora é um transexual, que apesar de operado, não conseguiu operar a verdadeira mudança que gostaria de ver: a da sociedade que o formou. Filho de uma prostituta e adotado na infância pelo dono da escola, o transexual ganhou o nome Berna para remeter à berne: larva da mosca varejeira que infecta vários animais. E a ideia é essa: Berna é aquela que veio para incomodar, um ser marginal, parasita da sociedade, alimentada e marginalizada pela mesma. Hercoline, remete a Foucalt com sua teoria da sexualidade.

Berna quer falar de seus próprios problemas, só que seus problemas são comuns à sociedade e não estão puramente ligados à sexualidade, mas ao respeito ao ser humano. Ela não quer dar lição de moral, apenas questionar os valores, que vem sendo repassados através dos séculos e que se repetem corriqueiramente nas salas de aula, para incredulidade de alguns e aceitação de tantos outros.

Você é um homem ou um rato?

A visão do educador Pedro Delgado deu vida e voz à personagem que revela um tema que precisa ser reavaliado por quem trabalha com crianças e jovens. “Quando tu rotulas, começas a tratar a criança de forma equivocada e o que era pra ajudar a criança a se construir acaba distanciando, dificultando mais”, explica o autor. O discurso parte de uma educadora transexual, mas poderia muito bem ser levantado por mim, ou por você que está lendo e, de alguma forma, influi na formação de alguém. Berna não levanta bandeira nenhuma, o que a credencia é o fato de ser uma pessoa esclarecida, educada e ser alguém que sofreu o drama de ser forçado desde pequeno a fazer e agir de uma forma que não queria e, por consequência, não entendia.

Delgado aborda de forma simples, mas instigante as situações que muitos já vimos por aí, seja por professores ou pais, que na dúvida sobre a sexualidade dos filhos acabam os incentivando de forma forçosa a atividades que seriam mais indicadas a meninos ou meninas. Conforme o autor, o olhar que perdura até hoje ainda é o olhar masculino juntamente com os valores da igreja que são latentes na sociedade. “Nós pensamos a partir de um pensamento sociológico masculino”, reflete o diretor de “Às favas com os homens que as mulheres vão à luta”, na qual também utilizou a “Teoria Queer”.

Criança feliz, quebrou o nariz e a cara

Você sabe onde foi parar a criança que existia em você? As crianças estão ficando adultas cedo demais, é um fato. Delgado, que é professor de História, conta que até o início do século XX, as crianças eram escondidas pelas famílias. Essa fase da vida de muitos personagens históricos é pouco registrada e quase não há informação sobre. Hoje, acontece o contrário: a superexposição. Berna quer resgatar essa criança que foi rotulada e acabou desaparecendo por não ser aceita como era. “A criança dela morreu muito cedo, pois ela ouvia muito: `você tem que ser assim`”, explica Delgado.

A fragilidade e a força de Berna encantam. A voz suave e delicada, acompanhada do gestual lento de senhora e a sensatez de suas palavras tem destinatário. O grupo de pequenos bonecos sentados em cadeiras na reunião representa os pais daquelas crianças que um dia ela também foi. Omissos, passíveis da manipulação da sociedade, da influência da escola, da igreja que dominou a educação e formou a base familiar, eles observam o quase tímido discurso de Berna. Depois de algum tempo, a iluminação transforma a platéia naqueles pais. Nossa atitude continua a mesma dos bonecos, passivos, ouvindo o que a velha mestra tem a passar. Esboçando um sorriso de vez em quando, vindo sei lá por que e de onde, aceitam o café especialmente preparado para a reunião.

A peça é cheia de significados, a começar pelo figurino onde predominam tons femininos como rosa até roxo, a cor da transmutação, e é isso que Berna quer. Um ritual de passagem, para acelerar a morte diária que vem sofrendo desde criança em busca da liberdade do seu ser. Concordando ou não com o desfecho que se desenha, a reflexão nos acompanha a cada frase da professora.

Pedro teve um trabalho solitário, a concepção do espetáculo foi somente dele, o que aumenta a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso de qualquer peça. Na sala escolar, que se transmuta em quarto, malas ocupam o lugar de janelas. A bagagem cultural que Berna traz a faz questionar a realidade. As janelas podem ser abertas para o que se vê na televisão, na internet, ou qualquer outra forma que a informação se apresente: mesmo que seja uma cena degradante na rua. “Ela tinha tudo pra não dar certo e ela fez exatamente o contrário”, revela encantado o autor pela personagem.

E não é por menos, Berna é realmente encantadora e a interpretação de Delgado é primorosa. Ele encarna a personagem e prende a atenção do público do início ao fim do espetáculo. Nada semelhante com outros papéis representados por ele este ano, como a debochada Beth, de “Q os homens pensam, q as mulheres pensam”, mostrando também sua versatilidade como ator.


05/11/2009

Comentários:

Isabel, como diz uma amiga atriz: quero ter a sua sensibilidade para observar e escrever quando eu crescer... Mais uma vez você foi fundo na minha alma e no meu trabalho e reproduziu um retrato fiel através do seu texto.
Obrigado, minha querida!
Parabens por sua refinada sensibilidade!
Pedro Delgado, POA - RS 05/11/2009 - 23:51

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Critica intrinseco


“E a mesa dançou...”

Quando fui convidada a assistir um “trabalho em processo” no projeto Diálogos com a Dança de iniciativa do SESC, como sempre tive um certo receio. Receio sim, pois se trata de um trabalho que nem mesmo o diretor sabe como vai acabar e nós aqui na platéia assistindo como cobaias de uma experiência. Mas, como tenho muito respeito e confiança nas iniciativas culturais do SESC e muito mais pela companhia de Dança Joça Vergo, aceitei o desafio e lá estava eu numa noite de quinta-feira conferindo o trabalho.
O tal “trabalho em processo” inicia com a apresentação dos idealizadores, segue com a explanação da diretora (Jacqueline Pinzon) e vem o propriamente dito que seria a coreografia. Alguns exercícios utilizados para a busca da interação entre os bailarinos foram mostrados e logo após começa nosso deleite.
Sempre achei maravilhoso o trabalho do Joca Vergo. Sério, criativo, ousado e marcado por muita disciplina e preparo. Ali estava com ele a maravilhosa Marilice Bastos. Digo isso por que sei da performance dos dois e de quanto trabalho e esforço isso exigiu. São anos e mais anos de dedicação à barra ao piso e muito mais. Desde o clássico, contemporâneo, ginástica olimpica, circo, acrobacia, jazz e atualmente sua nova pesquisa com teatro físico de (Jacqueline Pinzon) e por aí vai até formar estes seres ecléticos, dançantes, sensíveis e acima de tudo artistas. Seus corpos parecem moldados um para o outro em uma sintonia total. A segurança que um passa ao outro é admirável, resultado de anos de ensaio, pesquisa e disciplina. Ter saído de casa apenas para vê-los já era seguramente um bom começo.
As coreografias que narram o cotidiano de um casal contemporâneo servem de espelho a todos que estão na platéia. É a nossa história ali dançada com a participação especial de uma cantora(Elinka Matusiak) que nos surpreende com sua voz límpida e cristalina que nos empresta também seus dotes de efeitos sonoros especiais ao vivo, fugindo da corriqueira interferência “in off”. Todas as coisas que podem emitir sons servem de acompanhamento desta cena. Por alguns instantes nos dividimos entre aquele som diferente, aquela voz maravilhosa e a coreografia dançada por estes magníficos bailarinos.
O cenário também dança. Tudo que está no palco tem movimento. Isso também já é marca registrada do Joca. A cena contemporânea está posta. A luz de (Leandro Gass) é boa parte do espetáculo. Tudo nos leva a refletir. Como é bom estar aqui e ver que nós temos gente de talento. Vi neste trabalho algo que só havia visto apenas em outros lugares muito distantes daqui onde a arte é realmente valorizada.


Lisete Arnizaut de Vargas.
Doutora em Dança pela Universidade de Barcelona / Espanha.
Professora de Dança da UFRGS.

Critica " A casa das três Irenes"


Comédia com bom roteiro

Pode parecer uma afirmativa sem sentido, mas uma boa comédia deve ser levada a sério. Isso é reafirmado pela equipe de A Casa das 3 Irenes, que Zé Adão Barbosa dirige, a partir de roteiro de Luis Francisco Wasilewski, com cenografia de Thiago Sebastiá, figurinos - caprichadíssimos - de Naray Pereira e adereços de João Carlos Castanha, mais a iluminação de Leandro Gass. Trata-se de uma situação interessante e curiosa: três antigas artistas do teatro rebolado, dos primórdios do rádio e da televisão brasileiros, reunidas em uma casa de retiro de artistas, relembram seus velhos tempos.Luis Francisco fez boa pesquisa histórica, houve uma tentativa de recriação de vozes e climas de antigos programas radiofônicos, e A Casa das 3 Irenes, assim, ganha todo um contorno de espetáculo bem-cuidado e bem-acabado, inclusive com as boas soluções cênicas que o cenário permitiu.Lauro Ramalho está impagável, quer ao retomar velhas criações, como a de Maria Bethânia, em que é insuperável, quer ao representar outros tipos mais recentes. Caio Prates renovou seu repertório e acerta em repetir a criação baseada em Julie Andrews de A noviça rebelde, sem dúvida um de seus melhores momentos, ainda que as criações de tipos ingênuos e inquisitivos sejam sempre extremamente eficientes e cômicas. João Carlos Castanha tem bons momentos ao longo de todo o espetáculo, mas é especialmente feliz nos primeiros momentos, quando vive dramaticamente recordações de sua mocidade. Aliás, é curioso que se note que ele é o único intérprete verdadeiramente dramático, além de cômico, dos três, já que Caio Prates e Lauro Ramalho são essencial e, eu diria, exclusivamente cômicos.Por tudo isso, o espetáculo de pouco mais de uma hora de duração tem tudo para agradar, na base da paródia e da brincadeira. No entanto, há momentos em que o roteiro baixa o nível e faz algumas apelações de mau-gosto. Não se trata de moralismo, por favor. O teatro está ocupado por adultos e, portanto, não há este tipo de preocupação. Mas o mau-gosto é sempre o cômico - ou o ridículo - fácil. Por exemplo, na entrada de Castanha após um strip tease parcial, o movimento rápido que se segue é engraçado. A insistência na cena faz com que ela perca sentido e decaia na qualidade. Um palavrão bem-colocado, solto aqui e ali, é engraçado, às vezes até pelo inesperado de seu aparecimento. Mas sua reiteração acaba por tirar-lhe a força. Essa questão da medida é preciso que receba uma atenção muito grande de criadores de roteiros de comédias, sob pena de se perder o próprio efeito da comicidade. Em A Casa das 3 Irenes, como se disse, há excelentes achados cômicos, mas há, também, estas quedas desnecessárias, até porque o roteiro é bom e os intérpretes, todos eles, excelentes.De qualquer modo, o espetáculo é pensado enquanto divertimento e, enquanto divertimento, ele agrada. Têm razão os que defendem o direito de grupos teatrais realizarem este tipo de trabalho sem qualquer policiamento ou crítica. Há públicos variados e, mesmo quem goste de um espetáculo dramático mais profundo, necessariamente não desgosta de uma comédia leve e divertida. Prestigie-se, pois, este tipo de espetáculo, que traz público ao teatro e que serve para distraí-lo dos problemas cotidianos.



ASS: Antônio Hohlfeldt